Pesquisadora do CEAPPG, profa. Raquel Melo, em entrevista ao Jornal A União, fala sobre os impactos da pandemia nas Relações Internacionais

Para além das consequências na saúde global, o “evento coronavírus” aponta para a necessidade de transformações na organização política e econômica mundial. Pesquisadores do curso de Relações Internacionais da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), analisam os efeitos do coronavírus sob uma perspectiva geopolítica sistêmica e chamam a atenção para alguns fatores; três deles serão tratados nessa reportagem: a emergência da China como liderança política; a influência política prejudicando orientações técnicas com base científica; e a urgência de um novo modelo econômico de produção e consumo.

Não há notícias ou informações sobre o foco inicial. A China foi o país capaz de detectar, diferenciar a doença de outras gripes procurar meios de tratamento e combate e informar para o resto do mundo. Enquanto isso, o resto do mundo acompanha, perplexo, a construção de um hospital com mil leitos em 10 dias; e começa a identificar casos, sem sucesso no combate. A pandemia se instalou.

“O que está acontecendo reforça a necessidade de uma revisão das instituições internacionais. E essa crise de saúde internacional reforça a necessidade de se ter essas instituições fortalecidas”. Henrique Altemani, que foi coordenador adjunto do Mestrado em Relações Internacionais da UEPB e atualmente é pesquisador na Universidade de Brasília (UnB), se refere à atuação da Organização Mundial da Saúde, como instituição internacional técnica e a forma como os países aplicam essas recomendações. “Há a necessidade de uma cooperação global muitas vezes prejudicada por decisões políticas.”

A coordenadora do Curso de Graduação em Relações Internacionais da UEPB, Raquel Melo, salienta que a cooperação internacional é uma necessidade básica para os países se relacionarem. “Num surto pandêmico, especialistas precisam dar uma orientação global sobre o que fazer. A Organização Mundial da Saúde uniformiza as informações a partir de um conhecimento técnico científico. O problema é que nenhuma decisão técnica é considerada sem a política exercida nos países. Os Estados não abrem mão de suas vontades soberanas de fazer da forma como eles entendem. No Brasil vimos o líder do país reagindo de forma descompromissada diante de uma doença seriamente contagiosa. Mesmo estando em suspeita de contaminação, ele saiu a apertar as mãos de pessoas. Uma atitude baseada meramente em aspectos ideológicos, sem considerar os técnicos”.

China emerge como liderança no mapa político

Embora apontada como origem da pandemia ainda que não se saiba comprovadamente, a China emerge como nação fortalecida na geografia política internacional. Sai da China para outros países doações de caixas com máscaras cirúrgicas e outros itens; equipes médicas para a Itália, Irã, Iraque, capazes de orientar o atendimento; artigos científicos com resultados de pesquisas acerca do novo vírus.

“Há uma mobilização efetiva da China de ações para resolver problemas regionais de outros países. Enquanto os Estados Unidos viram as costas para a Organização Mundial do Comércio, a China é defensora do multilateralismo comercial. Os  EUA se retiraram do Acordo de Paris, um espaço que a China está ocupando e encabeçando a luta pelo meio-ambiente de uma forma global”, afirma Altemani. “O pensamento em prol do coletivo na China não tem nada a ver com o comunismo, mas sim com a base filosófica onde está, também, o respeito às autoridades, especialmente quando se tem confiança na autoridade.”

Por outro lado, ressalta Altemani, os Estados Unidos reagiram segurando o mercado financeiro através de ações de redução de juros, o que não surtiu resultado; e depois de não tomarem as precauções devidas inicialmente, tomam decisões unilaterais.

A insustentável crise do capital

Também vem da China imagens de contrastantes de uma zona urbana carregada de poluição e a mesma cidade com o céu limpo depois que os causadores da poluição deixam de circular nas ruas – os humanos. E é neste momento crucial na história da humanidade que urge a constatação: “O planeta não suporta mais sustentar o modelo econômico vigente”.

Raquel Melo lembra que determinados fatos não respeitam as fronteiras internacionais. “Não entendemos nada da nossa realidade se não entendermos o sistema internacional, das relações políticas, das relações de poder, quem pode mais, quem influencia mais; das relações entre o poder econômico, o produtivo e o meio ambiente; e a cultura que dá suporte a isso. E qual é o papel do Estado (dos governos dos países) para isso?”, questiona Raquel Melo.

“As realidades da desigualdade são compreendidas a partir de uma estrutura internacional. O modelo capitalista agressivo praticado hoje cria desigualdades e temos uma estrutura cultural e social que justificam essas desigualdades.”

“É possível criar paliativos; ações amenizadoras, políticas para amortecer as consequências. Em um determinado momento da história a Europa viveu os Estados de “Bem-estar”, países que conviviam com essa estrutura econômica, capitalistas, democráticos, mas tinham sistemas fortes de amortecimento operando – um sistema de educação, de saúde, de segurança do trabalho, etc. As diferenças sociais eram reduzidas. Se o governo não cria filtros dentro desse sistema, acabam surgindo abismos profundos de desigualdade.”

“Vários teóricos atuais demonstram que o mundo não se sustenta mais com esse modelo. As questões climáticas estão relacionadas a essa estrutura econômica de exploração. Através dessa paralisia em função do coronavírus temos mais clareza quanto aos sinais que o mundo dá de que esse modelo não se sustenta,” ressalta Raquel Melo.

A professora Marcionila Fernandes, que implementou o curso de Relações Internacionais (RI) na UEPB, trouxe os programas Procase (Projeto de Desenvolvimento Sustentável do Cariri, Seridó e Curimataú ) e o Projeto Cooperar, realizados na Paraíba com financiamentos internacionais. São fundos executados pelo Banco Mundial destinados a amenizar a questão da pobreza. “A pobreza é uma questão moral para os países ricos”, destaca Marcionila. “A produção financiada por esses fundos exigem que sejam feitas ações dentro de padrões e metodologias que priorizam a questão de gênero, a questão ambiental, grupos sociais por etnia e atividades. E o desenvolvimento econômico é vinculado ao ambiental – uma política do desenvolvimento territorial sustentável, que corresponde aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis. A pessoa que compete essa dinâmica é o profissional de RI”.

Notícia retirada do site do Governo do Estado da Paraíba em 20 de março de 2020

Texto: Márcia Dementshuk

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